24.2.09

Bienal de São Paulo Revisitada

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BIENAL DE SÃO PAULO REVISITADA

Por Nicholas Petrus

O dia a dia contemporâneo lida com o efêmero pois temos de lidar com a aceleração de nossa experiência temporal. Porém, a velocidade às vezes parece tanta que mesmo aquilo que não é efêmero, torna-se. Efêmero é uma condição, uma qualificação segundo nossos critérios, não algo que simplesmente existe. Se algo nos escapa por entre os dedos é porque não queremos (ou não podemos) segurar com firmeza. Muitas vezes, mesmo as discussões mais acaloradas se esvaem, e quando se discute sob o calor da palavra, se perdem racionalidades.

Uma artista Argentina decidiu vir a São Paulo em 2008. Ao mesmo tempo em que expunha na galeria Marta Traba, havia a oportunidade de visitar mais uma vez a bienal de São Paulo. A artista já havia vindo em 2006, para a bienal “como viver junto”, e a sua vinda recente trouxe uma visão estrangeira sobre a exposição.

Em meio a todas as críticas, a falta de dinheiro e lidando com um publico sedento pelo instantâneo, as discussões que se criaram durante a Bienal de São Paulo foram pautadas pela construção de uma imagem negativa sobre a mostra. A poética do vazio que se dane, no vazio não há o que consumir, esse foi o primeiro impacto... Talvez por trás de muita coisa esteja um “já que está vazia eu poderia estar lá... expondo.”

A artista L., da Argentina, me disse: “Quando estava dizendo aos meus amigos de Bs. As. que vinha à São Paulo para a Bienal, eles me disseram: ‘o que vc vai fazer numa mostra vazia? Não há o que ver, vc vai gastar dinheiro à toa’.” Ela pensou comigo: essa é a primeira Bienal “conceitual” e ninguém quis ver, se estivesse abarrotada de artistas, como uma feira de arte contemporânea, todos gostariam de estar... a quantidade venceu mais uma vez... e a qualidade não vai nem dar pra discutir pq ninguém esteve presente. E assim começaram a se formar os múltiplos estereótipos da mostra...

Ao realizar o projeto Bienal, a curadoria começa afirmando que a tendência é a de separar a exposição de uma feira de arte globalizada. Cá entre nós, se fossem convidadas galerias para apresentarem seus artistas o projeto provavelmente daria até menos trabalho... A Bienal deve se afirmar como um projeto distinto do mercado de arte, mas deve falar sobre ele. No calor do debate a critica ao corpo “físico” do projeto é mais simples que a crítica ao “conceito” por trás da unidade. Temos de digerir a Bienal, buscar a sua contradição interna, e isso não é possível no instantâneo.

A Bienal de São Paulo de 2008 é um manifesto pró-acadêmico, anti-academiscista e propôs uma imersão crítica aos artistas, para que revejam os conceitos de suas próprias produções. Para o público isso pode parecer estranho, mas para o caminho da arte é um instante de reflexão.

Vamos aos fatos: nos últimos anos as universidades de arte profissionalizaram o trabalho do artista, oferecendo uma base estética sólida e um repertório artístico completo, quase uma verdade absoluta. Na Bienal estavam muitos artistas não-formados em artes visuais, com obras extremamente dependentes de um conhecimento total, numa interdisciplinaridade mutualística entre arte e geografia, arte e sociologia, arte e filosofia, arte e economia e etc. Temporalmente, o ultra contemporâneo deixou de ser o foco, desviando com elegância da visão "panorâmica da produção artística atual”, e obras das décadas de 70, 80, 90 e 10 se misturavam.

A solução estética para a apresentação das obras buscou eliminar a hierarquia espacial, numa relação à livre circulação que vivemos com as novas tecnologias comunicativas. Além disso, a mostra não estava tão vazia assim. Programações de vídeo, de performances e de debates/publicações tornaram o projeto fluido, e a cada semana que se visitava o espaço havia algo distinto, algo novo.

O grande vazio do segundo andar foi atacado negativamente, na linha absurda do pensamento contemporâneo onde o vazio é igual a não-consumo, ou seja, não-trabalho, que é igual a “sem valor”. Porém, numa opinião pessoal, foi esse o ponto da mostra onde o pensamento se sentia livre, onde a imaginação era ativada, onde o desejo aparecia, fosse para encher o espaço, fosse apenas para sair correndo ou gritando. O vazio gerando sentimentos e emoção nas pessoas foi pouco comentado. Numa sociedade onde se oferecem sonhos embrulhados, oferecer imaginação foi muito generoso.

Faço apenas algumas anotações, não para julgar se algo é bom ou ruim, mas para falar que o desafio curatorial foi lançado. As interpretações abertas tenderam a denegrir a qualidade do projeto, mas todos falaram com muita certeza instantânea, desatentos aos desdobramentos. A Bienal não é um evento estático, é um campo reflexivo, de experimentação, de apontamento de tendências, não de apresentação apenas de resultados. E a tendência é a arte se desviar do consumo, seja do consumo educacional, seja do comercial, retomando no artista a liberdade "original" (Aufklãrung); liberdade que foi “doutrinada” pela mercadorização do/no processo criativo.

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