15.11.07

CO2 | ANDRÉ CEPEDA - FOTOGRAFIA | ENSAIO 2

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ANDRÉ CEPEDA E A FOTOGRAFIA DO FLÂNEUR Por Nicholas Petrus

O português André Cepeda realizou suas primeiras incursões mais ousadas na fotografia contemporânea quando esteve na residência do projeto Contretype em Bruxelas, Bélgica. A sua permanência na cidade como um estrangeiro o coloca a confrontar imagens de seu repertório identitário com a informação imagética que recebe de suas novas experiências. A partir deste embate, analiso a presença de elementos originais de sua realidade portuguesa nas fotografias da mostra CO2.

Refletia sobre ao sentimento de nostalgia que tenho quando penso na nação portuguesa, uma nação que se perde no mar enquanto outros ficam na costa, uma nação de despedidas e saudades, mas também de novas conquistas. Esta imagem da grande nação portuguesa que avançava em meados do século XVI à conquista de novos continentes, o sentimento de grandeza que envolve a realização destas grandes façanhas, a comunhão do povo frente ao desconhecido e à aventura. Contraditoriamente a esta euforia da expansão além-mar, os portugueses tiveram de lidar com a perda, com a fraqueza, com o medo, com a distância, a saudade... O som da euforia dos portos é diametralmente oposto ao silêncio da ausência que cada português carrega dentro de si.

Seria apenas imagem hipotética ou realmente o sentimento da nação portuguesa revela sua nostalgia, numa ânsia em reconquistar, de renascer diante de seu glorioso passado, diante de suas perdas contínuas, sua morte como potência econômica ao longo dos séculos? Recordo-me da imagem das vielas estreitas, incoerentes com propostas de desenvolvimento. Anacrônicas à realidade contemporânea de seu país.

Ao analisar trabalhos posteriores à série Anacronia, o artista revela toda sua preocupação com o tempo na imagem. Duas séries em específico se mostram relevantes: logo após a série de CO2, a série Moving apresenta imagens apenas do deslocamento urbano contínuo, a busca da convergência do improviso e da estética perfeccionista de André Cepeda. Na seguinte série denominada Stasis, o oposto, a imagem do estático, sem movimento. O que se vê na série Anacronia é um pouco dos dois tempos, o estático e dinâmico, um pouco do que o artista irá desmembrar nas séries seguintes.
A séria Anacronia, porém, apresenta na imagem em si, elementos que nos indicam formalmente referências estéticas originais portuguesas como o silêncio, o abandono, o nascimento, a morte, o movimento...



CRÍTICA: MOVING, DE ANDRÉ CEPEDA


TEXTO: Johan Vonck (Fevereiro 2006) (tradução do francês por Joana Caspurro)

“André Cepeda poderia ser descrito como um flâneur, numa errância constante em busca de imagens precisas, de clichés capazes de traduzir a sua relação com a cidade, de traçar um retrato tão íntimo da cidade quanto do seu autor. Através de Moving, Cepeda abordou esta questão de um modo diferente: utilizou já não as imagens que a cidade lhe oferece, indo antes buscar clichés de alguma forma conscientemente construídos. Para irmos rapidamente de um sítio para o outro, já não passeamos, deslocamo-nos; já não olhamos, captamos. Assim que esta ebulição fica para trás – com as suas imagens e os seus acontecimentos -, é a ausência de paisagem que passa a englobar-nos. Unir dois sítios torna-se assim o mesmo que ligar duas imagens. Os lugares de trânsito não são sítios, justamente por não haver neles nem imagens nem palavras para os definir.
As fotografias de Cepeda são depuradas, mas nunca pobres; parecem construídas segundo uma geometria quase orgânica. O seu enquadramento é rigoroso, frontal, neutro. Recorta imagens fixas naquelas paisagens que só captamos enquanto nos deslocamos. À primeira vista, parecem-nos “objetivais”, parecem mostrar-nos o mundo, mais do que tomarem partido nele. Mas se observarmos mais de perto, cada um destes lugares – pensados pela sua insignificância -, é tocado por uma luz distinta. Que projeta neles um sentimento, que os encarna. A luz reflete um estado de espírito, faz com que Moving deixe de ser o testemunho de um passeio, para ser o de um trajeto. Aqui, a errância é interna.

De fato, este projeto poderia remeter-nos para aquela experiência que todos conhecemos, mas que dificilmente partilhamos: aquele momento durante um trajeto onde nem o tempo, nem o sítio onde nos encontramos têm ainda importância, onde estamos sós face a nós mesmos, perdidos nos nossos pensamentos. Quando as imagens da cidade ficam para trás, o flâneur torna-se passageiro, atirado para a sua própria solidão. É porque não é possível estabelecer uma relação com estes lugares de passagem que nos deparamos num confronto com nós mesmos. Extraídos de um pensamento funcional, interditam quem quer que seja a deter-se neles, sob pena de atrapalharem o sistema, ou de serem esmagados por ele. Ora, a proposta de Moving será precisamente a de nos deixarmos habitar por estes não-lugares, de nos determos neles e de os transformarmos em sítios. André Cepeda arranjou tempo, muniu-se de uma câmara técnica, dispositivo pesado que requeira certa paciência. Foi, e regressou, a esses lugares por vezes perigosos, retornando várias vezes à mesma imagem para que cada jogo de luz fosse o reflexo exato de um estado de espírito. Foi através desta abordagem lenta que o autor concedeu a si mesmo a possibilidade de se apropriar destes espaços de circulação rápida. Compete-nos agora a nós fazer o mesmo. Estas imagens incarnadas pela luz remetem para uma experiência essencial da fotografia. Os locais de passagem poderão ser considerados uma forma de esvaziar o tema, de reduzir a imagem aos seus elementos constitutivos de forma a oferecer da mesma uma experiência minimal, profunda.

Será porventura tentador comparar estas imagens de moving com a pintura monocromática. Aquela que, através de meios mínimos, convida o espectador a uma experiência espiritual. Em Moving, é a luz e o enquadramento que constituem a imagem, enquanto que o tema – os tais lugares com os quais não há relação – remete o espectador para si próprio, justamente como o faz um monocromo. É, pois, como paisagem mental que as imagens de Moving poderão ser lidas, como os fragmentos de um road-movie interior. Duas imagens menos abstratas infiltraram-se na série.

Tratar-se-ão de imagens inconscientes? Ter-se-ão imposto como uma forma de escrita automática? Como nesses sonhos acordados provocados pelos longos trajetos? Elas pontuam a viagem, tomam parte na paisagem mental, funcionando como contraponto, ao mesmo tempo em que permitem que o espectador se identifique com o olhar do fotógrafo. Através de Moving, André Cepeda pensa a relação que se estabelece entre a imagem fixa e a imagem-movimento. A mobilidade é o único objeto dos não-lugares, o seu único desígnio é o deslocamento de pessoas ou de coisas. Ao mesmo tempo, são lugares indefinidamente “sem passado nem futuro”, para utilizar a fórmula de Marc Augé.

Neles, o tempo e o espaço deixam de ter propriamente um significado. Aliás, o modo de apresentação das imagens – em caixas de luz – participa desta reflexão. Oriundas do mundo da publicidade, estas caixas não são feitas para serem contempladas, mas antes para transmitirem uma mensagem clara numa fração de segundo.
Portanto, a lightbox não é pensada para fixar o movimento, mas para acompanhá-lo. Deve impor-se sobre um espectador ele próprio em movimento. As imagens exploram a mesma ambigüidade, parecem como que conscientes da sua própria falta. O seu enquadramento força o olhar do espectador para além da imagem, convocando um fora-de-campo. É o sentimento desta falta, esta necessidade de completar a paisagem, que força o espectador a passar para a imagem seguinte, e por aí fora. Mas rapidamente, como num sonho ou numa sala de cinema, a imagem acaba por se lhe impor.

Afinal, vai ter que voltar a ela. Pois estas caixas convidam o espectador a deixar-se penetrar, a abandonar-se a um perpétuo vaivém entre a imagem e ele próprio. A imagem torna-se fragmento de um discurso aberto, sem fim nem princípio. Ora travelling fragmentário, ora imagem autônoma e meditativa, Moving desloca o espectador entre diferentes temporalidades. Este vaivém, este perpétuo mudar a sua relação com as imagens acabarão por fazer dele um flâneur.”

TEXTO SOBRE A OBRA STASIS DE ANDRÉ CEPEDA

“Focalizado no mundo da imagem, utiliza a fotografia como meio de representação de uma realidade em muitos casos quotidianamente reconhecível. André Cepeda apresenta na galeria três fotografias intituladas ‘Stasis’, numa antítese da anterior série ‘Moving’ na qual a percepção do movimento era representada na forma de paisagens de transição como auto-estradas ou simplesmente os seus separadores centrais. Nesta exposição Cepeda mostra aquelas imagens nas quais o caráter estático nos remete para um aparente estado gravitacional, onde o tempo é suspenso e a as ações congeladas. Cepeda redefine o que o rodeia procurando em muitos casos dignificar espaços. Imagens de leituras diversas são tratadas de forma asséptica, depurando conotações pré-concebidas.

Dedicando-se ao mundo da fotografia desde princípios dos anos noventa, período em que começou a colaborar nos Encontros de Fotografia de Coimbra e após frequentar o curso de fotografia da’École des Arts d’Ixelles de Bruxelles’, realiza a sua primeira exposição individual no ano 2000. Tem vindo a desenvolver diferentes projetos no decorrer dos últimos anos, tanto em Portugal como no estrangeiro.”


FONTES:
  • IMAGENS

  • TEXTO

  • VÍDEO

  • SITE ANDRÉ CEPEDA


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